quarta-feira, 13 de outubro de 2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

Trailer do Filme



Texto de Luis Fernando Veríssimo no jornal O Globo de 01.08.2010:


Fica, Soledad

Mulheres bonitas e inteligentes existem muitas mas são raras as que se pode dizer que têm uma beleza inteligente. Como é difícil explicar o que é isso, exatamente, passemos logo ao melhor exemplo atual do gênero: Soledad Villamil. Quem viu o filme O Segredo dos seus Olhos sabe de quem eu estou falando. O filme é bom, mas nada no filme é melhor do que ela, no papel de uma juíza por quem o protagonista principal tem uma paixão recolhida, e poucas vezes na história do cinema foi tão fácil entender uma paixão. Soledad é fantástica dos cabelos às presumíveis pontas dos pés, passando por olhos verdes, uma boca ao mesmo tempo sardônica e sensual e um corpo que a sobriedade magistrática tenta disfarçar em vão – e tudo projetando a sensibilidade e a sabedoria que se espera da justiça humana. A Argentina tem nos mandado um bom filme depois do outro, ultimamente, e grande parte da sua atração se deve ao estilo naturalista de representar dos seus atores. O Segredo dos seus Olhos – que tem algumas falhas de lógica e verossimilhança que não atrapalham a bela trama – é um admirável exemplo disto. O elenco todo é extraordinário. Mas a principal razão para ver e rever o filme é a Soledad.

Eu nunca tinha ouvido falar nela. Agora sei que tem 41 anos e já fez vários outros filmes, peças de teatro e séries para a TV na Argentina – e há pouco fui vê-la no palco como cantora. Levado, acima de tudo, pela necessidade de saber se ela era de verdade. E descobri que Soledad não apenas existe como é uma ótima intérprete de tangos e milongas e da musica folclórica do seu país, com uma presença de palco que não deveria surpreender quem já a viu dominando um filme inteiro. Uma frustração apenas: ela se apresenta com um vestido longo até o chão, o que nos impediu de avaliar corretamente o corpo apenas adivinhado por baixo dos tailleurs judiciais, no filme. Mas pelo pouco que deu para ver, ele também é perfeito.

O perigo, depois do sucesso do filme, que venceu o Oscar de melhor estrangeiro, é levarem a Soledad embora, e da próxima vez que a virmos ela ser uma coadjuvante mexicana num filme de Hollywood. Proponho que se comece uma campanha preventiva, “Fica, Soledad”, para impedir que isto aconteça. Fique na Argentina, Soledad. Ou venha para o Brasil. Lá em casa tem lugar.


(Luis Fernando Veríssimo)


sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tango

Valores

“Nem todos os valores supremos buscados pelos homens são compatíveis entre si. Se você tiver compaixão total, por exemplo, não é possível justiça total. Se você tiver conhecimento total, não é possível felicidade total. A idéia de utopia, na qual todas as coisas boas existem, não pode ser concebida.”

                                                                                                                                Sir Isaiah Berlin

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Rubem Alves – O sonho dos ratos

O SONHO DOS RATOS
                      Rubem Alves



Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.
Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade…Bem pertinho é modo de dizer.
Na verdade, o queijo estava imensamente longe porque entre ele e os ratos estava um gato. O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho…Os ratos odiavam o gato.
Quanto mais o odiavam, mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro.
Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos, “então todos serão felizes”…
- O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções.
Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem: crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: “o queijo, já!”
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era.
O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.
Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram.
Arreganharam os dentes.Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si.
Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando.Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato o olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.

The Piano - Amazing Short

"Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue".
                                                                                                                          Adriana Falcão.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago - Uma Grande Perda


O escritor português José Saramago morreu aos 87 anos em sua casa em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, nesta sexta-feira (18/06/2010). A informação foi divulgada pela família do escritor de "Ensaio sobre a cegueira" e confirmada em seu site oficial.

O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet. O escritor português era um dos maiores nomes da literatura contemporânea, vencedor do prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998 e de um prêmio Camões - a mais importante condecoração da língua portuguesa.

Entre seus livros mais conhecidos estão "Memorial do convento", "O ano da morte de Ricardo Reis", "O evangelho segundo Jesus Cristo", "A jangada de pedra" e "A viagem do elefante". O mais recente romance publicado pelo escritor foi "Caim", de 2009. Seu estilo de escrita era caracterizado pelos parágrafos muito longos e escassez de pontuações.

Seu romance "O evangelho segundo Jesus Cristo", de 1991, provocou polêmica com a Igreja Católica e foi proibido em Portugal em 1992.O romance mostrava um Jesus humano, com dúvidas, fraquezas e conversando com um Deus cruel. Em um dos episódios, Jesus perdia sua virgindade com Maria Madalena.

"Ensaio sobre a cegueira", que conta a história de uma epidemia branca que cega as pessoas, metáfora da cegueira social, foi levado às telas em um produção hollywoodiana filmada pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles (de "Cidade de Deus") em 2008. O autor, normalmente avesso a adaptações de suas obras, aprovou o trabalho de Meirelles.

Saramago era considerado como o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século XX e uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época.

Em 1997, escreveu a introdução para o livro de fotos "Terra", em que o fotógrafo Sebastião Salgado retratava a rotina do movimento dos sem-terra no Brasil. Ateu, cético e pessimista, Saramago sempre teve atuação política marcante e levantava a voz contra as injustiças, a religião constituída e os grandes poderes econômicos, que ele via como grandes doenças de seu tempo.

"Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário", disse Saramago em dezembro de 2008, durante apresentação em Madri de "As pequenas memórias", obra em que recorda sua infância entre os 5 e 14 anos.


         Fonte: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/06/morre-aos-87-o-escritor-jose-saramago.html

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Desafio

E por tantos desafios um deles se pôs em primeiro plano...O de não desistir, de continuar acreditando no olhar sincero do outro, a alteridade, a sensibilidade...Formas de se tentar superar a dor do desencontro, do abandono e da mágoa.

Palavras não ditas, lágrimas não derramadas e soluços recalcados de um tempo que passou e não volta mais...nunca mais...
Quem me dera fosse possível cortar a linha do tempo ou pelo menos dividi-la em partes menores, que fossem menos dolorosas.

Coração meu, esse que não desiste, ainda persiste... numa busca desenfreada por algo que é tudo, é nada. Desequilíbrio total em meio a um mundo absurdo, do abuso, do uso, da fábula, da mágoa.

Posses, tudo ou nada.

Dinheiro e batalhas...que não levam a nada além da própria morte. Morte de viver, de sentir o quão puro é aquele sorriso....amarelo, porém sincero, de alguém que amou demais, caiu e tentou.

A ingratidão das palavras que não deveriam ter sido tão cruéis porque palavras foram inventadas para falar de amor....nunca deveriam trazer dor...

Sabes tu que sou a flor mais bela, que balança com o vento de forma a quase se despedaçar, sempre vagando entre a ilusão de continuar bela e o medo de perder minhas pétalas, tão perfumadas, mas tão frágeis... Ajuda-me a segurar a ventania e o temporal para que eu sempre esteja protegida das piores mazelas deste mundo....Ajuda-me a ficar ereta de forma a segurar o vento dentro das minhas cores e do meu miolo como um pai que cuida de um filho.

Por favor, um abraço que me tire desta solidão ou ao menos tape a ferida que tão grande surgiu num dia de sol. Deixe tua pele esquentar os meus pelos, tão ralos e escassos, mas sensíveis. O teu toque é tão intenso, imenso. Perdoe-me por me sentir assim, tão pouco dona de mim.

E se na austeridade da minha dor eu reagir mal, por favor, me perdoe. Sou humana e queria não ser..Sabes que fui invadida por palavras mal utilizadas que na verdade nunca chegaram até mim. Sabes que a minha dor é justa, porém efêmera. O mais miserável dos seres que ficou abandonado da sua vida, dos seus pertences e do seu coração precisa de ti....sempre ou pelo menos agora.

Escreva cartas para que eu possa acreditar novamente na verdade das palavras, dos gestos e dos pensamentos...escreva, escreva para mim, para ti, para nós...ou para a dor somente.

                                                                                                                        Autoria Própria L.D.T


Filmes Interessantes para Assistir e Debater

BLADE RUNNER, O CAÇADOR DE ANDRÓIDES (1982)

BONNIE E CLYDE: UMA RAJADA DE BALAS (1967) - BONNIE AND CLYDE

O BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968)

ASSASSINOS POR NATUREZA (1994) - NATURAL BORN KILLERS

CINEMA PARADISO (1988)

CORRA LOLA CORRA (1998) - LOLA RENNT

CIDADÃO KANE (1941) - CITZEN KANE

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964)

O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO (2007)

A MÁQUINA - O AMOR É COMBUSTÍVEL ( 2006)

O HOMEM QUE COPIAVA ( 2003)

O INVASOR ( 2001)
UM DIA DE CÃO (1975) - DOG DAY AFTERNOON

UM ESTRANHO NO NINHO (1975) - ONE FLEW OVER THE CUCKOO'S NEST

FELLINI 8 1/2 (1963) - 8 1/2

FESTIM DIABÓLICO (1948) - ROPE

FALE COM ELA (2002) - HABLE CON ELLA

O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN (2001) - LE FABULEUX DESTIN D'AMÉLIE POULAIN

O GABINETE DO DR. CALIGARI (1919) - THE CABINET OF DR. CALIGARI

ILHA DAS FLORES (1989) – JORGE FURTADO

JANELA INDISCRETA (1954) - REAR WINDOW

LARANJA MECÂNICA (1971) - CLOCKWORK ORANGE

LIMITE (1931)

LADRÕES DE BICICLETAS (1948) - LADRI DI BICICLETTE

A LIBERDADE É AZUL (1993) - TROIS COULEURS: BLEU

LOS ANGELES: CIDADE PROIBIDA (1997) L.A. CONFIDENTIAL

A LISTA DE SCHINDLER (1993) - SCHINDER'S LIST

O PODEROSO CHEFÃO 2 (1974) - THE GODFATHER: PART 2


O PODEROSO CHEFÃO 2 (1974) - THE GODFATHER: PART 2

PULP FICTION: TEMPO DE VIOLÊNCIA (1994) - PULP FICTION

OS PÁSSAROS (1963) - THE BIRDS

PSICOSE (1960) - PSYCHO

A QUEDA: AS ÚLTIMAS HORAS DE HITLER (2004) - DER UNTERGANG

RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000) - REQUIEM FOR A DREAM

A ROSA PÚRPURA DO CAIRO (1985) - THE PURPLE ROSE OF CAIRO

SCARFACE (1983)

SOL É PARA TODOS, O (1962) - KILL A MOCKINGBIRD, THE

SINDICATO DE LADRÕES (1954) - ON THE WATERFRONT

UM SONHO DE LIBERDADE (1994) - SHAWSHANK REDEMPTION, THE

TRAINSPOTTING (1996) - TRAINSPOTTING

TEMPOS MODERNOS (1936) - MODERN TIMES

TERRA EM TRANSE (1967) - EARTH ENTRANCED

TUDO SOBRE MINHA MÃE (1999)

ÚLTIMO TANGO EM PARIS, O (1972) - LAST TANGO IN PARIS

A VIDA É BELA (1997)

UM CORPO QUE CAI (1958) - VERTIGO

UM ESTRANHO NO NINHO (1975) - ONE FLEW OVER THE CUCKOO'S NEST

VIDAS SECAS (1963)

O MONSTRO (1994) – FELLINI  - " MARAVILHOSO"

CIDADE DE DEUS (2002)

DIVÃ ( 2009)



BOM DIVERTIMENTO !! BOAS ANÁLISES!!
"Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria uma outra forma de loucura". Blaise Pascal

Desejo e Amor

          O desejo é a vontade de consumir. Não precisa ser instigado por nada mais do que a presença da alteridade. É o ímpeto de vingar a afronta e evitar a humilhação.

          O desejo é contaminado desde o seu nascimento pela vontade de morrer. Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir. A realização do desejo coincide com a aniquilação de seu objeto, o amor.
Amor e morte, cada um deles nasce, ou renasce, no próprio momento em que surge, sempre a partir do nada, da escuridão do não-ser sem passado nem futuro; começa sempre do começo, desnudando o caráter supérfluo das tramas passadas e a futilidade dos enredos futuros.

          Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual grande incógnita da equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível.

          E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resulstados que não exigem esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta ( falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a experiência amorosa à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultado sem esforço. *

*Retirado do livro Amor Líquido - Zygmunt Bauman.



"Fragilidade dos laços humanos.
Loucura aceita, disfarçada e dignificada".


sexta-feira, 11 de junho de 2010

12 DE JUNHO - HOMENAGEM AO AMOR - SENTIR O NÃO SENTIR

Os Três Mal-Amados          


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina. O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina. O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

                                                                                                                    João Cabral de Melo Neto

quarta-feira, 9 de junho de 2010

"Cidade de Deus": Pós-Modernidade e a Estetização da Violência

O que aparece num nível como o último modismo, promoção publicitária e espetáculo vazio é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais, uma mudança da sensibilidade para a qual o termo “pós-moderno” é na verdade totalmente adequado. A natureza e a profundidade dessa transformação são discutíveis, mas transformação ela é. Enquanto no modernismo havia criação e determinação nas obras acabadas, na pós-modernidade há uma constante indeterminação, tudo é processo, sendo que ocorre uma desconstrução daquilo que antes se acreditava estar totalizado. O fato mais espantoso da pós-modernidade é a sua total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico. Ela até se prende nas fragmentárias e caóticas correntes da mudança como se isso fosse tudo o que existisse.

O sentido de continuidade e a memória histórica são abandonados na pós-modernidade, que desenvolve uma incrível capacidade de pilhar a história e absorver tudo como aspecto do presente. Há pouco esforço aberto para sustentar a continuidade de valores, crenças ou mesmo de descrenças. Obcecados pela desconstrução e pela deslegitimação de toda espécie de argumento que encontra, os pós-modernos só podem terminar por condenar suas próprias reivindicações de validade, chegando ao ponto de não restar nada semelhante a uma base para a ação racional.

Os homens e as mulheres pós-modernos trocaram suas possibilidades de segurança por felicidade. Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual e os da pós-modernidade provém de uma espécie de liberdade de procura do prazer que aprova uma segurança individual pequena demais. No filme “Cidade de Deus” este fato se torna evidente, pois os caprichos pessoais se tornam pequenas violências. Há uma imobilidade, onde os personagens têm um só objetivo durante grande parte do filme: a satisfação imediata de seus desejos. E este mundo do capricho desanda em violência.

No filme “Cidade de Deus”, o bandido é mostrado como alguém mau por natureza, e em uma lógica do desespero, onde cada um tenta satisfazer os seus desejos imediatos, ou seja, o sujeito vive sem projetos, sem ideais, a não ser cultuar sua auto-imagem e buscar a satisfação aqui e agora. No filme a palavra “culpa” não tem sentido, pois todos já são culpados previamente. Ocorre ambivalência o tempo todo. É uma espécie de compensação, onde sempre alguém tem culpa de algo, então tudo fica igual. Meirelles (diretor do filme) abusa da coloquialidade, havendo um descuido com o foco, enquadramentos que não buscam o equilíbrio visual, mas a expressão. Outra particularidade é que não foi utilizado equipamento de luz para suavizar os contrastes ou equilibrar a luz no filme. As linguagens se misturam e juntamente com a linguagem cinematográfica aparece a publicidade e os vídeos caseiros. Essa característica é muito observada no cinema pós-moderno, já não se sabe o que é uma imagem fabricada e o que é realidade.

Já no livro “Cidade de Deus” de Paulo Lins, a personagem principal é a favela, e esta favela também não tem projetos para o futuro. Paulo Lins mostra o lado antropológico da favela, um mundo de vingança e intrigas o tempo todo, que não tem início e nem fim, com leis, regras e códigos próprios. No livro não existe uma lógica, sendo que os personagens não possuem projetos, apenas comem, matam, cheiram, e assim por diante. É um mundo sem linguagem, e o grande feito de Paulo Lins , ao contrário de Fernando Meirelles, é que ele não tentou dar uma lógica para o que não tem lógica. Mas, de forma lenta, descreveu os acontecimentos conforme o pensamento momentâneo dos personagens. E isso poderia estar acontecendo enquanto o personagem fumava um baseado, conversava ao pé do rio ou qualquer outra situação. Sem uma lógica.

O indivíduo atual é sincrético, sua natureza é confusa e indefinida. No filme “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles” esta característica está presente em vários personagens da trama, como Dadinho, personagem Dadinho (que mais tarde tornar-se-ia Zé Pequeno) tem a violência presente em sua vida como algo normal e que vem desde criança, com um total desconhecimento de limites e regras. Os personagens são representados de uma forma plural e cheia de retalhos que não se fundem num todo. Os personagens do filme não crêem mais em totalidade e no decorrer do filme eles justapõem lado a lado suas vivências pequenas e fragmentárias, onde não existem regras, nem limites. A pós-modernidade tem especial valor por reconhecer as múltiplas formas de elevação que emergem das diferenças de subjetividade, de gênero e de sexualidade, de raça, de classe. É esse aspecto do pensamento pós-moderno que lhe dá um lado radical e ele também deve ser considerado algo que imita as práticas sociais, econômicas e políticas da sociedade. Mas, por imitar facetas distintas dessas práticas, apresenta-se com aparências bem variadas.

A pós-modernidade tem insistência na impenetrabilidade do outro, concentração antes no texto do que na obra, na sua inclinação pela desconstrução que beira o niilismo e sua preferência pela estética em vez da ética. O pós-modernismo quer que aceitemos as reificações e partições, celebrando a atividade de mascaramento e de simulação, todos os fetichismos de localidade, de lugar ou de grupo social, enquanto nega o tipo de metateoria capaz de apreender os processos político-econômicos que estão se tornando cada vez mais universalizantes em sua profundidade, intensidade, alcance e poder sobre a vida cotidiana.

A mais problemática faceta do pós-modernismo são seus pressupostos psicológicos quanto à personalidade, à motivação e ao comportamento. A preocupação com a fragmentação e instabilidade da linguagem e dos discursos leva diretamente a certa concepção da personalidade. Encapsulada, essa concepção se concentra na esquizofrenia induzida pela fragmentação e por todas as instabilidades que nos impedem até mesmo de representar coerentemente algum futuro radicalmente diferente.

A essência da pós-modenidade é que preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro ao real. Sendo assim, fica apenas o simulacro, que se passando pelo real o intensifica e fabrica o hiper-real, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. Isso faz com que nos dias de hoje a própria realidade não exista mais, a não ser aquela que é intermediada pelos meios de comunicação de massa. A humanidade vive num momento no qual as imagens se transformam em biombos porque impedem acesso ao mundo. As imagens mascaram e modificam a realidade, e em vista disso, são poderosas e determinantes na formação de opiniões. Ou seja, a sociedade na qual vivemos atualmente é a do espetáculo, onde todos os formatos se espetacularizam e isso está mudando as representações.

Como vimos em “Cidade de Deus”, Paulo Lins utilizou o espaço literário como local de manifestação da violência, sendo essencial não só enquanto possibilidade de transgressão da lei, mas também para a reafirmação e delimitação desta mesma lei. A violência foi mostrada como o lugar da sociedade que mostra o limite dessa sociedade. Neste ponto de vista, ela é o ponto saudável dessa sociedade. No cinema corre solta a nostalgia acoplada à ficção científica. Reina o ecletismo e a mistura barata. A maioria dos filmes pós-modernos são moldados conforme o “gosto” da indústria cinematográfica e a exploração capitalista dessa indústria cinematográfica recusa satisfazer as pretensões do homem contemporâneo de ver sua imagem reproduzida. Nestas condições, os produtores de filmes tem interesse em estimular a atenção das massas para representações ilusórias e espetáculos equívocos. A população de massa somos nós, que temos condições de consumo e a sociedade de massa trabalha com regras padronizadas e com gosto médio, sem nenhuma preocupação com a estética.

O cotidiano hoje é o espaço para o envio de mensagens encantatórias destinadas a fisgar o desejo e a fantasia, mediante a promessa da personalização exclusiva. À personalização aliam-se o erotismo, o humor e a moda, que não deixam espaços mortos no dia-a-dia e o erotismo vai dos anúncios ao surto pornô, passando pela cultura psi (psicanálise, psicodrama) e seu convite ao desrecalque. O humor descontrai e desdramatiza o social.

Kafka em algumas de suas palavras representa muito bem esse novo momento do qual estamos participando, que é a pós-modernidade. Um fragmento de Kafka diz: “Outrora eu não podia compreender que minhas perguntas não obtivessem resposta; hoje em dia não compreendo que jamais tivesse admitido a hipótese de formular perguntas...” Ou seja, não podemos fazer questionamentos a respeito da época na qual estamos vivendo porque nem ao menos sabemos o que ela é ou o que representa. Devemos aceitá-la como uma nova fase que foi necessária e que foi instaurada em virtude dos anseios e pretensões do próprio homem e que muitas vezes não foram notadas nem mesmo por ele.

Durante muito tempo e em muitos países, a violência esteve estreitamente ligada à obtenção de reformas sociais ou à transformação dos regimes políticos ilegítimos. Com a crise dessa representação, difunde-se sub-repticiamente a idéia de que, já que a violência não esposa mais o sentido da história, ela não é nada mais do que um “fracasso”, mais ou menos transitório, de uma solução negociada e pacificada.

A violência aparece como sendo puramente negativa e sob a forma de riscos que a sociedade se mostra incapaz de controlar. Ela se torna ao mesmo tempo “ilegível” socialmente e “sobre-representada” virtualmente. A distância é menos entre o autocontrole pulsional interno e a violência social externa, do que entre os conhecimentos quanto à virtualidade dos riscos e as violências de uma parte, e, de outra, o sentimento de diminuição de nossa capacidade de ação, real ou simbólica, face a esses riscos.

Daí a tendência do cinema moderno em buscar as causas da violência no indivíduo, como por exemplo no filme Psicose de Alfred Hitchcock , que analisa apenas o indivíduo como um ser violento e não a sociedade como um todo. Já Paulo Lins, com o livro “Cidade de Deus” consegue mostrar este outro lado, que é a sociedade transformando as pessoas em bandidos, o que não acontece no filme de Meirelles, que fala de bandidos maus por natureza.

O sentido último da violência não é outra coisa a não ser a derrubada da representação tendencialmente dominante da condição moderna. A condição moderna se auto-representa como mergulhada num excesso de conhecimento e de informação que às vezes substituem a própria ação. A violência, ao contrário, só é representada sob a forma de um déficit de informação e um excesso de ação física ou de energia, nela a ação impõe-se sobre a informação.

Podemos falar da violência como aquilo que foge aos padrões impostos pelo que chamamos de ordem. Mas a ordem tem sempre como contraponto uma certa desordem. A ordem é dada pelo público e ridiculariza quem a infringe. Porém não devemos esquecer que a ordem não existe sem a desordem.

À violência pós-moderna, diferente da violência pré-moderna e moderna, não é atribuído um sentido positivo ou negativo. Ela tem um sentido espetacular, porque hoje vivemos na sociedade do espetáculo, onde tudo que era vivido antes diretamente tornou-se uma representação. A realidade apresenta-se agora como objeto de mera contemplação e o espetáculo é um movimento autônomo do não-vivo. O espetáculo do qual se fala não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens, sendo esta a sociedade na qual vivemos atualmente.

A violência de hoje não é tanto uma luta visível entre Estados e ligada a um campo de batalha, mas mais uma guerra interior, “invisível”, uma luta manipulada pela mídia, que nos diz quem serão os heróis e quem serão os bandidos. Vivemos em uma alienação em favor do objeto contemplado e quanto mais contemplamos, menos vivemos e também menos compreendemos a nossa própria existência e nosso próprio desejo. Isso porque a mídia nos deixa cada vez mais distantes uns dos outros e da realidade, fazendo com que qualquer acontecimento, por mais real que seja, acabe se distanciando da realidade devido à espetacularização que ele sofre.

A mídia virou um espetáculo e a sua função informativa, que antes era prioridade, acabou ficando em segundo plano. As fronteiras são espetacularizadas pela mídia, que comanda verdadeiros “shows” para os mais variados gostos e o que menos importa é se as informações a respeito do caso são verdadeiras ou se os atos do assassino infringiram as regras.

Atualmente o que liga os espectadores é apenas uma ligação irreversível com o próprio centro que os mantém isolados. O próprio espectador não se dá conta que de está sendo enganado e enganando a si mesmo por um fato que para ele é apresentado como real pela mídia. Os indivíduos se tornaram atores sociais e freqüentemente se tornam heróis pelo simples fato de a mídia os colocar nesta posição.

Em suma, tanto Paulo Lins como Fernando Meirelles tentaram mostrar a realidade da “Cidade de Deus”, cada um à sua maneira, e a partir de suas convicções. Na “Cidade de Deus” não faltam tiros e a morte, mas também aparecem tarefas práticas, conflitos sem importância e alegrias feitas de migalhas num país em que o “lado do asfalto” insiste em ser a ordem, enquanto o “lado de cá – a favela” ainda é considerada a desordem. Uma triste realidade num país em que a fronteira entre asfalto e favela há muito tempo já é invisível ou talvez nunca tenha existido.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Violência

Durante muito tempo e em muitos países, a violência esteve estreitamente ligada à obtenção de reformas sociais ou à transformação dos regimes políticos ilegítimos. Com a crise dessa representação, difunde-se sub-repticiamente a idéia de que, já que a violência não esposa mais o sentido da história, ela não é nada mais do que um "fracasso", mais ou menos transitório, de uma solução negociada e pacificada.