quarta-feira, 13 de outubro de 2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

Trailer do Filme



Texto de Luis Fernando Veríssimo no jornal O Globo de 01.08.2010:


Fica, Soledad

Mulheres bonitas e inteligentes existem muitas mas são raras as que se pode dizer que têm uma beleza inteligente. Como é difícil explicar o que é isso, exatamente, passemos logo ao melhor exemplo atual do gênero: Soledad Villamil. Quem viu o filme O Segredo dos seus Olhos sabe de quem eu estou falando. O filme é bom, mas nada no filme é melhor do que ela, no papel de uma juíza por quem o protagonista principal tem uma paixão recolhida, e poucas vezes na história do cinema foi tão fácil entender uma paixão. Soledad é fantástica dos cabelos às presumíveis pontas dos pés, passando por olhos verdes, uma boca ao mesmo tempo sardônica e sensual e um corpo que a sobriedade magistrática tenta disfarçar em vão – e tudo projetando a sensibilidade e a sabedoria que se espera da justiça humana. A Argentina tem nos mandado um bom filme depois do outro, ultimamente, e grande parte da sua atração se deve ao estilo naturalista de representar dos seus atores. O Segredo dos seus Olhos – que tem algumas falhas de lógica e verossimilhança que não atrapalham a bela trama – é um admirável exemplo disto. O elenco todo é extraordinário. Mas a principal razão para ver e rever o filme é a Soledad.

Eu nunca tinha ouvido falar nela. Agora sei que tem 41 anos e já fez vários outros filmes, peças de teatro e séries para a TV na Argentina – e há pouco fui vê-la no palco como cantora. Levado, acima de tudo, pela necessidade de saber se ela era de verdade. E descobri que Soledad não apenas existe como é uma ótima intérprete de tangos e milongas e da musica folclórica do seu país, com uma presença de palco que não deveria surpreender quem já a viu dominando um filme inteiro. Uma frustração apenas: ela se apresenta com um vestido longo até o chão, o que nos impediu de avaliar corretamente o corpo apenas adivinhado por baixo dos tailleurs judiciais, no filme. Mas pelo pouco que deu para ver, ele também é perfeito.

O perigo, depois do sucesso do filme, que venceu o Oscar de melhor estrangeiro, é levarem a Soledad embora, e da próxima vez que a virmos ela ser uma coadjuvante mexicana num filme de Hollywood. Proponho que se comece uma campanha preventiva, “Fica, Soledad”, para impedir que isto aconteça. Fique na Argentina, Soledad. Ou venha para o Brasil. Lá em casa tem lugar.


(Luis Fernando Veríssimo)


sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tango

Valores

“Nem todos os valores supremos buscados pelos homens são compatíveis entre si. Se você tiver compaixão total, por exemplo, não é possível justiça total. Se você tiver conhecimento total, não é possível felicidade total. A idéia de utopia, na qual todas as coisas boas existem, não pode ser concebida.”

                                                                                                                                Sir Isaiah Berlin

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Rubem Alves – O sonho dos ratos

O SONHO DOS RATOS
                      Rubem Alves



Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.
Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade…Bem pertinho é modo de dizer.
Na verdade, o queijo estava imensamente longe porque entre ele e os ratos estava um gato. O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho…Os ratos odiavam o gato.
Quanto mais o odiavam, mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro.
Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos, “então todos serão felizes”…
- O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções.
Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem: crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: “o queijo, já!”
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era.
O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.
Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram.
Arreganharam os dentes.Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si.
Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando.Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato o olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.

The Piano - Amazing Short

"Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue".
                                                                                                                          Adriana Falcão.

quinta-feira, 1 de julho de 2010